quinta-feira, 17 de junho de 2010

.parte 1 ** A PREPARAÇÃO





São 06h45. O relógio toca. Ou melhor, o telemóvel... O sono do dia anterior veio ao som de músicas importantes. O CD está na aparelhagem. O Celso tem uma cópia, na nova casa está outra e na Quinta, mais outra. Banda sonora perfeita. Levanto-me. A casa está silenciosa. Pai e mãe na cama. Tios (da Alemanha directamente para o nosso casamento), na cama. Acordo bem-disposta, mas ainda sem noção exacta do que está para começar.

Banho, pequeno-almoço e quarto arrumado: vestido pendurado, sapatinhos no peitoril, bijuteria à mão, lingerie também. Saiote e véu na cama e aliança de comprometida, quase com uma década, ainda no dedo. A mãe levanta-se. São 8 horas e saímos para o cabeleireiro.

O dia está escuro e cinzento e caem alguns pingos acompanhados de vento... Fico triste! Por mim, pelos convidados, pelo temporal que teimou em inundar aquelas últimas semanas... Na chegada ao destino, na estrada, cruzamos com o noivo!! Ai Jesus!! Mas todos fingimos não nos ver, para não quebrar o mistério, o romantismo, a tradição!

Já na cadeira do salão, com as mãos da Sílvia, nos meus cabelos, olho para a porta e vejo a Sofia entrar... a minha doce noivinha de Agosto! Olhamo-nos e a emoção salta-nos do peito... Os meus olhos ficam brilhantes, vidrados... e os teus também!! Foi bom ver-te naquele momento. Foi absolutamente reconfortante e marcou uma fronteira no meu estado de espírito.

O penteado começa a ganhar forma e o ânimo enche-me o rosto. Véu e molinha no cabelo. "Estou pronta!"... De calça de ganga e véu, mas pronta!!! Quando saio, caem uns pingos e aparece a Sónia, no seu Jipe vermelho. É com ela que sigo para casa. Asolutamente extasiadas!

Na Garcia também chove. Fujo para casa e , de repente, o céu fica mais limpo e os raios de sol rasgam... rasgam as nuvens e fazem brilhar alegria dentro de mim. A Daniela já estava à espera para a maquilhagem, acompanhada da risonha Ana!!! Pobre Daniela, que sofreu com tanta euforia. Entre uma trinca num rissol e um gole de água, a desgraçada lá me foi pondo bela e noiva. Veste-se a lingerie a correr e, finalmente, chega a hora... o vestido! Que naquele dia nem teve a importância com que se sonha... Naquele dia, era só um grandeeeeeee conjunto de pedaços de tecido. Muito tecido, é certo. Mas o resto, ainda era maior... oh se era.

Fecha-se os olhos para as sombras e o entra e sai começa. A campainha toca uma e outra vez. Alguém entra no quarto: "Quem é? - É a Carla, a fotógrafa!". Meu Deus, chegou a hora... é de verdade! Acabam-se as pinturas e "todos fora do quarto". Carla e Nelo montam toda a infra-estrutura necessária. Simpáticos, profissionais, queridos. As fotos começam e a felicidade estende-se a cada poro da minha alma. A música com que adormeci estava na aparelhagem, a acompanhar-nos desde a minha chegada ao quarto. E eis que se não quando, a Carla coloca a música alta, para me descontrair. As pessoas vão chegando e, entre uma foto e outra, espreitam-me no quarto! Amigas chegam, abraçam-me, emocionam-se. Confesso que já não consigo lembrar-me de alguma ligações temporais. Mas recordo bem a Sandrina, a Márcia, a Vânia, a minha Madrinha...

Saímos para a rua, descendo pela cave, onde estava já muita gente. Todos se centram em mim e, aí sim, fico nervosa, sinto-me desprotegida. Saio à rua e o frio aperta-me o peito. "Não tens frio!!!??", repete-se vezes sem conta e faz-me sentir ainda mais exposta. "Não sujes o vestido!", ao que respondo: "É só para hoje, não tenciono vesti-lo mais!". O nervoso esmaga-me.

Chegamos ao jardim e aguardo que a Sónia me traga a echarpe. Está muito frio! As pessoas começam a juntar-se ali mesmo e cada vez me sinto mais vazia e exposta. Tropeço no vestido quando caminho, está imenso vento, tenho frio, o véu tapa-me a cara, o bouquet atrapalha-me... todos me olham. Estou oficialmente stressada. Tudo o que uma noiva não quer...

"Noivinha, estás linda! Agora olha para aqui. Sorri. Isso! Mexe no brinquinho, mexe no cabelo. Boa, isso mesmo. Agora caminha, noivinha. Dá-lhe Power!!! Valeu a pena, Nelo. Oh, se valeu. "Vá noivinha, agora vem aqui para a estrada. Quero que rodes, aqui no meio, ok?". Claro que sim, Nelo... tu mandas... E, no meio do alcatrão, de braços abertos para o céu, para a vida, para Deus, a noivinha rodou, rodou... "Olhe, desculpe, é aqui a casa da noiva?". A noiva olha. "Veraaaaaaaaa!!!!!". Oh Vera, foi tão bom ver-te nesta altura. Neste breve instante consegui sentir-me tão reconfortada. A sensação de estar só, exposta, passou. Foi tão bom! Só me apetecia abraçar-te, pedir-te colo... sentir-te a apertar-me contra ti. "Noivinha, agora caminha na direcção contrária à câmara". E pude falar para ti, minha Vera: "Verinha, estou a tropeçar no vestido!!", "É normal princesa, é normal!". Relaxei... E chegava a hora das fotos com a família, mas aí, a Dona Vera, interveio: "Primeiro eu!" E ali mesmo, no meio da rua, demos o tal abraço forte. Tão forte que perdeste ali e para sempre os teus brincos...!

As formalidades cumprem-se: foto com a mana, com os sobrinhos, com os papás, com a família completa. Entretanto, o carro que alugámos - o tão sonhado Citroen Arrastadeira - chega! Isto significa que o meu Celso já está na capela, 300 metros mais abaixo. Tínhamos prometido que nenhum dos dois se atrasaria e o meu príncipe cumpriu. Estramos em casa mais um bocadinho, pois ainda é cedo. Aproveito para me compôr dentro do vestido com a ajuda preciosa da Sónia e da Daniela.

Pergunto as horas: "É meio dia.", "Então vamos embora!!". Mãezinha, quase tiveste de expulsar as pessoas lá de casa. Mas tinha de ser. Eu não queria mesmo atrasar-me. Chego perto do carro e pergunto ao Rúben, o motorista, como deveria fazer para entrar... Eu só via vestido... "Agora tem de ajudar-se a si própria!". Não foi muito esclarecedor, mas serviu.

Dirigimo-nos à capela e pedem-nos, por gestos, que paremos cá atrás... Não sabia o que se passava... mas a espera alongou-se. Via as pessoas na rua e eu ali... Porque não podíamos avançar?? Alguém se dirige ao carro e revela que... o Padre não tinha chegado!! Oh meu Deus... seria possível que se esquecesse??? Pois é meu amor... nós não nos atrasámos, mas o Padre sim... tivemos de esperar mas, felizmente, apareceu. E toca a avançar!!!

O carro pára em frente à capelinha, como sonhei desde pequena... Os meus lindos sobrinhos, Tiago e Ana Marta, estão lá. O Tiago dá-me a mão, a pedido da Carla e, aquela mão, pareceu-me carregar o mundo inteiro... Aqueles olhos azuis entraram-me pela alma e, na cara do meu pequenino de 9 anos, estava declarada a cumplicidade, ternura e responsabilidade que nos une. Levou a função dele muito a sério e fez ver a todos os que alguma vez duvidaram do seu poder e inteligência. O meu menino foi um homem... E nesse momento pude adivinhar o tipo de adulto que hás-de ser, Tiago. Este menino que reflecte na idade os anos de união que eu e o Celso temos foi brilhante, nada menos que brilhante... Foi um recado que a vida, ou Deus, como queiram, me mandou... só a mim... porque só eu o vi, só eu o pude ler.

A porta do carro abre-se e estás lá, Pai. Para me amparar e dar a mão. Assim que saio, olho a capelinha e segredo-te: "Ai! Agora é que é!". Sorris. Ramo numa mão, pai na outra, coração mais na garganta do que no peito e lá vamos nós. Chegamos à entrada e tentamos caminhar também com a mãe. Olho para a frente, para o altar, ainda estás de costas, meu príncipe. Procuro ouvir a música que escolhemos para a minha entrada - Halleluja, Leonard Cohen. Sim!! Já ouço os acordes das guitarras. Percebemos logo ali que não conseguiríamos seguir os três e a mãe fica. Olho de novo para o altar, pronta para iniciar a caminhada pela passadeira vermelha, e vejo-te, meu amor... estás lá... de olhos cravados em mim, completamente brilhantes. Sério, emocionado, lindo, como tu és!! Lindo, maravilhoso como nunca sonhei. Como estavas absolutamente maravilhoso... Olhos completamente marejados, vermelhos. Expressão séria e, simultâneamente, de emoção. Choraste mal me viste... E eu... assim que o o meu olhar bateu no teu, assim que a tua emoção me rasgou a alma, provei o sentimento mais belo, maravilhoso, extasiante e arrasador da minha vida... Um amor intenso, puro, verdadeiro e eterno varreu-me as forças e fez parecer minúsculos todos os sonhos que me atrevi a sonhar sobre aquele momento. Não, não vi as pessoas. Não, não senti nervos, nem stress, nem pressão. Não me senti exposta... Simplesmente porque o mundo inteiro não me pesava. Eu só te via, meu príncipe. Via-te e sentia a música que cuidadosamente escolhemos juntos. Não caminhei, flutuei... Tinha a respiração acelerada, descontrolada, por ti... de amor, de paixão, de vontade de te tocar, sentir, abraçar. Conseguia sentir o que tu sentias, conseguia perceber o que tu me dizias... "Respira mulher, respira", esta era a voz da Vera... ehee.

Os meus olhos tremiam, as pernas tremiam. Mas sei garantir, com toda a segurança do meu Ser, que tudo isto era apenas e simplesmente emoção... Dez anos depois, o que nos une é absolutamente avassalador... E sabemos que vai sê-lo sempre... Porque o sentimento é gigante, a vontade de fazê-lo atravessar toda a nossa vida é comum e a luta por um projecto a dois é um desejo mútuo e muito forte! Sempre estivemos lá um para o outro e vamos estar sempre como, de resto, este momento nos segredou.

Que amor é este, tão forte, capaz de nos deixar assim? Sentir algo assim é sentir Deus, a vida, a razão de ser do Homem, como queiram... Como se explica isto?? Como se explica esta coisa absolutamente intangível que é capaz de nos fazer morrer, que é capaz de nos fazer viver!!?? São momentos destes, com esta riqueza e complexidade, que dão sentido à nossa passagem...! E Pobres... Pobres dos que cá passam sem nunca sequer conseguir imaginar ou sonhar a magnitude dos sentimentos! Pobres dos que vivem para as coisas materiais... pobres... dos que não amam!

***

Não conseguimos defini-lo, nem dar-lhe forma. Não sabemos onde começa ou onde acaba. Mas sabemos que está lá e que nos tira o fôlego, o chão... O Amor é como Deus... é um círculo imenso, que agarra tudo, que ninguém sabe onde começa ou onde acaba, mas que nos leva a ver o céu por cima!!! Não falo no Deus dos cristãos, não falo no Deus de qualquer religião. Falo no Deus da Vida, nessa entidade que não acredito ser omnipresente, nem que nos castigue, nem que nos proteja, mas que acredito existir. Deus como uma energia que faz de nós mais do que um corpo com vida... E que explica tudo o que está para lá da Ciência de qualquer época.

"Quem já passou por essa vida e não viveu / Pode ser mais, mas sabe menos do que eu / Porque a vida só se dá pra quem se deu / Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu" (...)

Vinicius de Moraes

***

Na minha cabeça ia cantando a música que só ouviamos em instrumental e não conseguia tirar os olhos dos teus. Lembro-me perfeitamente de subir o pequeno degrau, antes do altar, e de sentir que estava quase quase...

Palavras, para que vos quero??

É verdade... Falhei... Falhei aqui muito tempo... O dia do casamento foi absolutamente... ENCANTADO!! Percebi pela primeira vez na vida que as palavras são nada... percebi pela primeira vez que aquilo que tanto adoro fazer não chega para transmitir e espelhar sentimentos e sensações... Mas paciência. Foi duro admiti-lo, e por isso, este tempo todo no vazio.

Após isto, a decisão foi tentar descrever ao máximo o que aconteceu neste dia magnífico. Para isso, regressei a um dos meus principais defeitos de escrita, apontado já pela professora Maria da Encadernação, lá na cadeirinha da escola primária. Neste momento, parece-me imperioso socorrer-me da minha "imperfeição"... Tenho mesmo de escrever um mega texto, longo e super descritivo!!! Peço desculpa a todos :P

A ideia era escrever aos poucos, pois o tempo livre é muito escasso, e publicar tudo no final. Mas hoje surgiu-me outra ideia... porque não ir publicando à medida que vou produzindo? Fica assim estilo novela...

"NÃO PERCAM O PRÓXIMO EPISÓDIO!"